segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Foi lindo...


A edição do ENCONTROS POSSÍVEIS - Núcleo de Pesquisas Teatrais deste ano foi recheada de ineditismos. Pela primeira vez a Cia. Pessoal de Teatro realiza um evento em parceria com o Teatro Experimental de Alta Floresta, fazendo parte da programação do Festival de Teatro Amazônia Mato-Grossense; e foi uma dobradinha e tanto. Agradecemos aos integrantes deste grupo que nos receberam com tanta atenção em sua sede e em sua cidade, nos proporcionando momentos especiais de partilha e reencontros. Viva o TeAF!
Foi a primeira vez também que Eugenio Barba (Odin Teatret/ Dinamarca) esteve em Alta Floresta, juntamente com Julia Varley, e ficaram encantados com o que viram da sede do grupo, da formação, da organização e da produção Mato-Grossense que pôde assistir.
Eugenio me pediu para fotografar toda a sede e enviar para ele; esse material fará parte do acervo de espaços cênicos - uma pesquisa que está desenvolvendo com Nicola Savarese para a atualização definitiva do livro A Arte Secreta do Ator. Isso mesmo, um grupo Mato-Grossense corre o risco de fazer parte do livro mais lido da história do teatro - ao menos, o mais reeditado!


Na palestra Eugenio tratou da pergunta que eu e Tatiana levamos para Holstebro: O que faz um grupo sobreviver juntos por 50 anos? São muitos os segredos e muitas as respostas para essa pergunta: podemos abordar financeiramente, empiricamente, ideologicamente, mas em qualquer abordagem para uma possível resposta nos deparamos com a capacidade de liderança do diretor Eugenio Barba, que soube manter o grupo coeso, focado, e produzindo até os dias de hoje. Em várias publicações Eugenio confessa que seu intercâmbio com a América Latina manteve a chama da criação acesa no grupo. Honra nossa.



Outro ineditismo que tivemos nessa edição foi o workshop de kalarippayattu, aplicado pelo mestre Sankar Lal (India/Polônia) com a assistência do seu discípulo Alessandro Curti (Itália/Polônia). Foi a primeira vez que a técnica do kalarippayattu, milenar arte marcial indiana, vem para o Brasil. Mestre Sankar pratica a modalidade do kalarippayattu do sul da Índia, uma região que não recebeu muito duramente a influência da colonização britânica e a técnica pode, portanto, se manter preservada pela tradição. Sankar Lal pratica essa modalidade desde os sete anos de idade e atualmente mora na Polônia, onde trabalha com o treinamento do ator a partir da prática do kalarippayattu. Aprendemos coisas muito bonitas sobre essa técnica, mas a que mais me impressionou é que o praticante deve saber sobre medicina e cura, porque uma pessoa só está apta a matar (é uma arte marcial, afinal) se estiver pronto para curar. É um misto amalgamado de filosofia, arte marcial, medicina e treinamento corporal.

Na Índia o kalarippayattu é base de treinamento para atores bailarinos. Atualmente essa técnica é muito utilizada em centros de treinamento europeu, como o Instituto Grotowski (Polônia) e Odin Teatret (Dinamarca).

Essas questões do uso do kalarippayattu no treinamento do ator foram discutidas com o professor da Universidade do Pará - Cesário Alencar. Numa conversa com o mestre Sankar Lal e o ator do Teatr Zar Alessandro Curti, ouvimos sobre a complexidade de se trabalhar uma arte marcial milenar como prática do ator. Cesário realiza uma pesquisa sobre o assunto em sua universidade no Pará e realtou seus resultados, sendo pontuado pela experiência do mestre e de Alessandro Curti. 


Além deste debate, tivemos uma incursão pela internacionalização do produto brasileiro com Marcelo Bones, que criou uma agência de difusão internacional de trabalhos teatrais.

Marcelo nos fez refletir sobre o produto teatral que estamos criando, com a pergunta: Onde será apresentado esse espetáculo e qual a trajetória que idealizamos para ele? Isso nos fez pensar que devemos alcançar públicos maiores, e não só pensar em nosso quintal. Nós que produzimos em MT temos uma posição estratégica em relação à America Latina e estamos deixando de nos articular nesse sentido para alcançar outros territórios com nosso trabalho. Foi muito esclarecedor e ampliou nossos horizontes, literalmente.

Vários grupos participaram desta conversa. Estavam presente Mato Grosso, Distrito Federal, Rondônia, Paraná, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, só para citar alguns, e tínhamos um panorama aberto na nossa frente, recebendo convidados da Polônia, Ìndia, Itália, Dinamarca. Mais tarde, Marcelo conversou com Eugenio Barba sobre o teatro realizado em grupo; Marcelo é um ativista do Movimento de Teatro de Grupo de Minas Gerais e Eugenio é diretor de um dos mais antigos e produtivos grupos de teatro da Europa, que se mantém com integrantes que fazem parte do grupo desde sua formação. 

A conversa foi rica. Eugenio falou sobre o teatro que realizavam em seu tempo e como a sede de Alta Floresta, do teatro Experimental, lembrava os espaços teatrais que havia nessa época. Foi um momento para pensarmos no teatro realizado em grupo como uma modalidade de resistência; o grupo passa a ter uma produção própria, que diz respeito àquelas pessoas e ao lugar que habita, e além de ser uma escola, em alguns casos a única escola do artista, com métodos e estéticas próprias. 

Aprofundamos nesse debate sobre estéticas utilizadas no contemporâneo com a professora Maria Thereza Azevedo, coordenadora do grupo de pesquisas Artes Híbridas: Contaminações, Intersecções, Transversalidades (ECCO/UFMT), que discutiu os caminhos e apontamentos da pesquisa e do fazer teatral sob a perspectiva do teatro Contemporâneo. 


Pensar no Contemporâneo quanto linguagem estética, poética e também, como um produto conectado com seu tempo, que contém elementos bastante particulares como característica. Nesse debate estava presente vários representantes de grupos de teatro, e Mariana Pinto e Galeana Brasil, do Itaú Cultural, que foram nos prestigiar em Alta Floresta. 

Tertúlias, parte do Festival 
Além das palestras, pudemos assistir a duas demonstrações de trabalho: Irmão Morto, com Júlia Varley (Odin Teatret), e a Aula Espetáculo da Cia Mundu Rodá (SP). As demonstrações de trabalho, uma prática difundida pelo Odin Teatret, conta em formato de espetáculo sobre uma particularidade do trabalho daquele grupo. A Cia Mundu Rodá falou de sua relação com o Cavalo Marinho e como eles utilizam a manifestação tradicional folclórica nos seus espetáculos. Irmão Morto conta sobre o método do Odin Teatret para montar espetáculos.


Houveram vários momentos emocionantes, que nos faziam ter certeza do nome que escolhemos para esse evento, mas talvez o momento que mais mereceu a legenda ENCONTROS POSSÍVEIS foi esse da foto: Eugenio Barba oferecendo um presente ao Teatro Experimental de Alta Floresta. O diretor do Odin teatret deu de presente ao grupo um pôster comemorativo dos 50 anos do grupo, com a dedicatória:
AO TEATRO EXPERIMENTAL DE ALTA FLORESTA,
PACIÊNCIA
OBSTINAÇÃO
NÃO PERDER O SONHO

E assina ele e Julia Varley. Um lembrete do mestre que está agora fixado na parede da sede do TeAF, em Alta Floresta. Quem quiser ver, é só ir até lá.

Foram dias maravilhosos que passamos por lá. Saímos com a imagem da Sumaúma de 800 anos que fomos visitar no meio de uma reserva ecológica; dos sorrisos e da caderneta cheia de novos contatos; de espetáculos com estéticas diferentes, mas potências semelhantes; com a cabeça cheia de planos e principalmente, com o coração repleto. Viva o teatro!




Juliana Capilé